Funny Games - Violência Gratuita

26-04-2011 23:20

Violência Gratuita, remake do filme de mesmo nome, filmado pelo diretor Michael Haneke, parece se enquadrar ainda mais ao Ocidente, mostrando uma das mazelas sociais da maior potência do Planeta

 

Por André Martins - JRM7B

andre_martinsferreira@hotmail.com

 

 

Michael Haneke começou sua carreira cinematográfica na década de 1970 produzindo filmes para a TV alemã. O primeiro longa voltado para o circuito comercial foi lançado em 1989, mas o sucesso e o reconhecimento internacional só bateram à porta do diretor em 1997, quando recebeu a primeira indicação e saiu vitorioso no principal festival do cinema francês. Com “Violência Gratuita”, o alemão chocou Cannes e acabou com a Palma de Ouro nas mãos.
 
Formado em psicologia, Haneke, reconhecido como um dos mais experimentalistas diretores europeus da atualidade, sempre se pautou nos estudos da mente para a construção de seus roteiros. Por conhecer tão bem as patologias e peculiaridades inerentes à mente humana, ele talvez seja o diretor que alcançou maior êxito ao materializar da forma mais visceral possível o mal e a violência.
 
Os últimos filmes do diretor com os quais ele se consolidou na Europa e em Hollywood - embora quase todos eles sejam falados em alemão -, “A Professora de Piano”, “Caché”, “A Fita Branca” e o remake americano de “Violência Gratuita” comprovam essa tendência na medida em que neles estão inseridos personagens de mentes doentias, auto-suficientes, egoísta e com uma tendência quase natural ao desvio de caráter.

 

Ouça a crítica em podcast

 

Violência Gratuita by Lorena Tárcia 

 

A versão americana de “Violência Gratuita”, a ser analisada aqui, começou a ganhar corpo poucos anos após a estreia do filme alemão ter escandalizado toda a crítica européia. De acordo com Rodrigo Carreiro, editor do site “Cine Repórter”, a iniciativa de rodar novamente o filme, porém voltado para o mercado norte-americano, teria surgido mediante duas constatações, a primeira de que o público americano, grande responsável pelo consumo de produtos cinematográficos no mundo, não ser afeito às legendas e a segunda, do próprio Haneke: a história se enquadrava muito mais à realidade do novo que à do velho mundo.

 

A trama, protagonizada por Naomi Wats e Tim Roth, gira em torno de uma família de classe média alta que se refugia em um local paradisíaco, com belas casas de campo, em busca de sossego, porém, a presença de dois adolescentes psicopatas, vividos por Michael Pitt e Brady Corbet, dispostos a executar seus jogos sádicos com a participação de inocentes, ameaçam os planos e as vidas dos inquilinos.

 

Ao conferir o longa, é quase impossível não se lembrar de “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick. Provavelmente Haneke tivesse como propósito fazer, também, uma homenagem ao filme, já que trás personagens similares aos quatro jovens errantes que são peças centrais daquele que é considerado um dos maiores clássicos da história do cinema.

 

“Violência Gratuita” pode ser interpretado de maneiras diferentes. Ao mesmo tempo em que se apresenta como uma provocação aos nervos e desejos do espectador, o filme pode ser encarado como uma constatação de um grave problema social e, por outro lado, como uma crítica mordaz à indústria do entretenimento.

 

Em três momentos específicos, o jovem que orquestra o ritual de sadismo envolvendo jogos infantis como esconde-esconde, quente-frio e adivinhações - estas com generosas doses de malícia e violência - rompe a narrativa convencional e o registro cinematográfico ao se dirigir ao espectador e perguntar a ele o que deve ser feito. Seria uma estratégia de Haneke para que participemos do jogo? Talvez sim. Sendo o filme uma representação simbólica, embora pareça, de fato, o real, o público tem a oportunidade de vivenciar o extremo de suas pulsões. É o que Freud chamaria de “sublimar”. Sendo assim, a agressividade aflorada na tela, o choque violento da morte ou da possibilidade dela, “satisfaria” a um desejo oculto e reprimido socialmente.

 

A outra leitura a que se pode chegar, choca. Os dois adolescentes são a representação de quem os assiste. Ao consultar o espectador é como se eles dissessem: “É você e não nós quem dá as cartas!”. Temos aí uma crítica ao que é consumido e à forma como a violência é apresentada através da indústria cultural - uma representação que quase transpõe as regras do irreal. Em 2007, o diretor chegou a percorrer várias universidades para tratar da espetacularização e da indiscriminada forma como a mutilação, a violência física e psicológica é vendida através dos meios de comunicação, inclusive do cinema.

 

Por fim, a obra funciona como uma denúncia social. Ao dizer que a história era genuinamente americana, Haneke não se equivocou. “Tiros em Columbine”, do documentarista Michael Moore e “Elefante”, de Gus Van Sant são apenas mais duas obras ficcionais, baseadas em fatos reais, que apontam a fragmentação da juventude americana.

 

Embora não existam maneiras mais corretas de se entender o filme, a única conclusão à que, espera-se, o espectador não chegue é justamente àquela que o título que o longa ganhou aqui no Brasil, de alguma forma, apregoa, que se trata, unicamente, de um filme que explora a violência de maneira gratuita. A mensagem impressa na obra é mais perspicaz que essa constatação simplista.

 

O remake preserva a maior quantidade de signos possíveis presentes na primeira versão da obra. Diálogos, enquadramentos, gestos. Tudo foi mantido exatamente como pode se perceber no filme de 1997. A direção de arte é caprichada e consegue reconstruir os ambientes com exatidão. Se você gosta de “jogos” de sete erros, assistir às duas versões é uma ótima oportunidade de testar o seu olhar detalhista.

 

O destaque do elenco fica por conta de Michael Pitt e o pequeno Devon Gearhart que interpreta o filho do casal. Naomi Watts e o regular Tim Roth não conseguem estabelecer nenhuma empatia com o público. Assim como quase todos os outros elementos, o elenco da primeira versão da obra se destaca a olhos vistos.

 

Recomendar “Violência Gratuita” é como atirar no escuro tendo a certeza de que na espingarda só existe uma bala. É o típico filme que se ama ou se odeia. Se visto com um olhar criterioso é possível descobrir os grandes trunfos dessa pequena obra independente.

 

CURIOSIDADES:

 

- O texto do primeiro filme foi mantido em sua integralidade. Haneke utilizou ainda os mesmo enquadramentos de câmera;

- A versão americana surgiu da constatação de que o público estadunidense não é afeito das legendas;

- As cores e os tons usados pelo diretor de arte Hinju Kim fazem diversas referências ao filme de Stanley Kubrick, Laranja Mecânica;

- A produção usou os mesmo objetos do filme original de 1998. A casa construída para o filme de 2007 tem as mesmas proporções da primeira.

 

FICHA TÉCNICA:

 

Diretor: Michael Haneke

Elenco: Naomi Watts, Tim Roth, Michael Pitt, Brady Corbet

Roteiro: Michael Haneke

Duração: Duração: 111 minutos

Ano: 2007

País: Estados Unidos

Gênero: Suspense

Cor: Colorido

Distribuidora: Califórnia Filmes

Classificação: 18 anos

 

SAIBA MAIS:

 

Página do filme no site IMDB

Assista ao vídeo em que Isabela Boscov, da revista Veja, faz suas considerações sobre o filme

Página do filme no site Interfilmes

 

LEIA TAMBÉM:

 

Crítica de Rodrigo Carreiro, editor do site Cine Repórter

Crítica de Érico Borgo, do site Omelete

Crítica de Conrado Heoli, do site Cineplayers

Tópico: Violência Gratuita

Data: 15-05-2011

De: Lorena

Assunto: Correção

Muito bom, André. Vamos publicar também no Impressão Online.

Lorena

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Questionário

A junção Cinema e Psicologia é melhor executada por qual diretor?

Martin Scorsese (5)
14%

Michael Haneke (5)
14%

Stanley Kubrick (7)
19%

Darren Aronofsky (5)
14%

Ingmar Bergman (7)
19%

Outro (8)
22%

Total de votos: 37