Pelo fim do jornalismo tal qual o conhecemos

21-03-2011 20:04

Por Roberto Romero 

O que as empresas jornalísticas entendem por “crise do jornalismo” está mais associado à perda, por parte dessas, do monopólio da informação do que propriamente com o interesse por novas possibilidades de criação coletiva.

 

Na manhã do 21 de julho do ano passado, o número de usuários da “maior rede social do mundo” – como costumam se reportar ao Facebook – ultrapassava impressionantes 500 milhões de pessoas. O presidente e criador da ferramenta, Marck Zuckerberg celebrava, então, a oportunidade de muito mais pessoas “permanecerem conectadas com as pessoas que gostam”. É inegável que este número surpreendente de usuários deve suscitar reflexões e trabalhos mais detidos sobre o “fenômeno das redes sociais” e suas implicações nos arranjos sociais contemporâneos. Porém, alguns discursos que comumente acompanham esses debates e seus números “impressionantes” - e que têm recebido destaque na cobertura jornalística – carecem de reflexão, ainda que breve e lacunar.

 

Desde o advento da internet e de sua popularização entre algumas parcelas da sociedade (dentre elas, os jornalistas), muitos debates têm girado em torno dos “impactos” das novas mídias sobre o fazer jornalístico. Como que angustiados com as frequentes inovações na área das telecomunicações e respondendo a uma espécie de “instinto de sobrevivência”, vários profissionais do ramo têm se dedicado a pensar os “novos rumos do jornalismo”. Parece-me, contudo, que enquanto a maioria das atenções e dos esforços se desloca para a procura de alternativas para o exercício jornalístico na internet ou nas mídias sociais, pouco se tem elaborado sobre os próprios discursos e práticas que em geral as empresas jornalísticas ajudam a erigir e levam adiante acerca da ciência e tecnologia.

 

Creio que grande parte da insegurança (ou mesmo temor) diante das novas mídias está assentada na maneira como entendemos as relações entre sociedade, ciência e tecnologia. E o jornalismo tem muito a ver com isso na medida em que contribui para criar e circular representações acerca desse “fenômeno”. Para ser mais claro, voltemos ao exemplo inicial do Facebook. Embora todos os louros de sua criação costumem ser atribuídos ao presidente, Marck Zuckerberg, a empreitada contou, inicialmente, com a colaboração de pelo menos outras três mentes pensantes: Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin e Chris Hughes. Em comum, todos tinham o fato de serem estudantes da Universidade de Harvard.

 

Inicialmente pensado como uma ferramenta de comunicação universitária, voltada especialmente para grupos de pesquisadores da área da tecnologia, entre os quais figuravam os estudantes, o Facebook no curto prazo que se estende entre sua criação, em 2004, e os dias de hoje deixou de ser um circuito fechado de comunicação para se tornar a “maior rede social do mundo”. De início, esse processo nos chama atenção por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, o fato de que se trata de uma criação coletiva cujos desdobramentos escaparam em muito a intenção inicial daqueles a quem é atribuída a “autoria”. Em segundo lugar, o fato de que, embora a rede tenha expandido sua adesão gratuitamente, os direitos autorais da marca estão ancorados em leis de proteção à propriedade intelectual (copyright), de modo que a ferramenta é hoje avaliada em mais de 50 bilhões de dólares.

 

Isso revela muito da forma como pensamos a relação entre sociedade e tecnologia. Um gênio criador (Marck Zuckerberg) inventa uma “nova” tecnologia (Facebook) que então passa do obscuro gueto à qual estava circunscrita (os cientistas) à sociedade (o resto da humanidade), onde recairão os “impactos” dessa invenção. Todas as possíveis e efetivas contribuições que a ferramenta sofreu durante os anos - resultantes dos mais variados e complexos encontros de informação e criatividade - são postos em segundo plano, em favor do “direito autoral” que o gênio detém sobre sua obra. Ao restante dos mortais (atualmente estimado em 500 milhões) cabe adotar a ferramenta e adaptar-se a ela, como se esta estivesse dada de antemão. 

 

O que pretendo chamar a atenção é como os jornalistas têm incorporado esse discurso e contribuído para que ele se fortaleça quando desesperadamente tentam responder “o que devemos fazer em relação às novas mídias?”. Muitas vezes, essa pergunta vem acompanhada de uma resposta fatalista, como se – por mais paradoxal que pareça – as “novas” mídias estivessem “dadas de antemão” e coubesse aos profissionais se “converterem” ou se “adaptarem” às novas condições “impostas” por elas. Retira-se, com isso, toda a potência inventiva que deveria caracterizar a relação dos profissionais de comunicação com a internet ou mídias sociais.

 

A meu ver, o que as empresas jornalísticas entendem por “crise do jornalismo” está mais associado à perda, por parte dessas, do monopólio da informação do que propriamente com o interesse por novas possibilidades de criação coletiva. Nesse sentido, todos os esforços dessas empresas se direcionam para resolver a seguinte questão: “como preservar nossos privilégios (leia-se, lucros) em meio a novos arranjos sociotécnicos?”. Para minha infelicidade, geralmente a resposta mais confortável para essa questão é se agarrar a noções como a de propriedade intelectual, ou “copyright”. Curiosamente, essa “propriedade” deixa de ser o veículo em si e se transfigura numa entidade virtual, a “marca”, sobre a qual agora pesa com mais vigor esse “direito autoral”. A partir daí, o produto é menos importante do que o número de pessoas que se consegue “agregar” a uma “marca”. Grossíssimo modo, é isso o que se chama de “desmaterialização da economia” ou “economia pós-industrial”. Como muito bem descreveu Cézar Migliorin, em artigo recente, “na indústria, o valor está no produto - se um possui, o outro não. O valor está na restrição ao acesso. Na era pós-industrial, o valor se multiplica por compartilhamento; quanto mais circulação, quanto mais pessoas envolvidas e invenção, mais conhecimento e mais valor.”

 

O que é interessante – e até esperançoso – nessa transformação é que, por mais que se tenha descoberto o ouro, não é tão simples assim atingi-lo. Neste cenário ainda impera - para tormento da “indústria jornalística” – o descontrole. O que terá motivado mais de 500 milhões de pessoas a aderirem ao Facebook? Certamente a resposta é menos óbvia do que Zuckerberg faz parecer, com certo ar de benevolência, ao associá-la a um desejo das pessoas de estarem próximas de quem gostam. Na intricada rede de relações que faz emergir, ora ou outra, um fenômeno como o Facebook, Marck Zuckerberg talvez seja, de todos, o elemento mais dispensável.

 

Isso me leva a crer que as possibilidades mais interessantes de jornalismo atualmente são aquelas que se desenvolvem fora do sistema de produção industrial “em massas”, e que se organizam em torno de coletivos de pessoas que, para começar, não obedecem à mesma hierarquia que rege as redações tradicionais. Honestamente, não entendo por que os jornalistas ainda se confortam em ouvir que “o jornalismo não irá acabar, mas sim o jornalismo tal qual o conhecemos”. Confesso que, no atual estado das coisas, eu gostaria mesmo que o jornalismo tal qual eu conheço acabasse (o mais rápido possível) e se reinventasse de forma radicalmente diferente.

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Data: 25-03-2011

De: Roberto Romero

Assunto: Mídias Sociais e Jornalismo

Gustavo e Lorena,

Obrigado pelos comentários. Acredito que as duas perguntas possuem uma resposta em comum. Uma vez que se trata justamente de uma reinvenção, não saberia indicar "a forma" (que facilmente recaíria numa "fórmula") para esse processo. O que posso tentar fazer é procurar em iniciativas já existentes algo que aponte para um caminho diferente, mais criativo. Confesso que tinha em mente apenas um deles, o site brasileiro OVERMUNDO (overmundo.org.br), uma espécie de plataforma onde os cadastrados podem submeter seus textos para avaliação coletiva. Quanto mais acessos e opiniões positivas em relação aos textos, mais respaldo recebe o autor, que também conta com intervenções ou sugestões no texto inicialmente submetido até sua versão final. Perceba que a lógica é a mesma das demais redes sociais que conhecemos (como o Facebook, sobre o qual escrevi). Supus, de forma um tanto arriscada, que esperiências parecidas certamente existiriam na web. Neste ponto, foi a Lorena quem me ajudou (e praticamente respondeu à própria pergunta), informando alguns links, como:
https://muralbrasil.wordpress.com/
https://www.midiaindependente.org/

e outros que encontrei através do ning:
https://imersaolatina.ning.com/?xp_search=m%C3%ADdia+independente&xp_search_page=1&xp_search_pos=2

https://rede-dna.ning.com/?xp_search=comunica%C3%A7%C3%A3o+social&xp_search_page=1&xp_search_pos=1

Creio que muitas outras devam existir e também gostaria muito de conhecê-las. De modo geral o que parece guiá-las é uma organização menos hierárquica, que não distingue (como no modelo industrial) quem pensa de quem faz. Este grupos parecem menos interessados na informação enquanto um "produto", simplesmente, e sim como um processo de compartilhamento e crescente difusão. Para não me estender ainda mais, recomendo novamente o artigo de Cezar Migliorin, que embora verse sobre o o cinema na era pós-industrial, é muito bom para pensar as questões que ele suscita em outras áreas da comunicação.

Data: 24-03-2011

De: Gustavo Pimenta

Assunto: Mídias Sociais e Jornalismo

Excelente abordagem Roberto! Texto conciso, bem articulado e bem explicativo.
Gostaria de saber de que forma você acha que o jornalismo pode se reinventar de uma forma radicalmente diferente.

Data: 24-03-2011

De: Lorena

Assunto: Mídias Sociais e Jornalismo

Ótima reflexão, Roberto.

Minha questão para você: como a parcela mais crítica da sociedade e do jornalistmo tem se apropriado das redes sociais. Busque alguns exemplos desta construção coletiva.

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