Hole, "Nobody's Daughter"

18-10-2010 21:51

 

 

Courtney Love derruba seu mito e mostra evolução individual, mas sob o ranço do pior dos anos 1990

David Batista (7º período Uni-BH)

davidbatistadines@gmail.com

 

Como você se sentiria se houvesse parado no tempo em 1998? Se as paradas de sucesso fossem sua referência musical, sua trilha sonora perpétua incluiria baladeiros pop de gosto duvidoso, como Semisonic, Goo Goo Dolls e Dave Matthews Band. Esse parece ter sido o exercício de pensamento durante a feitura do quarto disco do Hole, Nobody’s Daughter, lançado em abril de 2010. Após um hiato de 12 anos, o grupo liderado por Courtney Love volta à ativa trazendo novos elementos, mas ainda rescendendo a naftalina.

 

A pretensa reformulação começa pelos músicos: com os jovens Micko Larkin (guitarra, harmonias e co-produção), Shawn Dailey (baixo) e Stu Fisher (bateria), o novo Hole não traz nenhum dos integrantes das formações clássicas. Nem mesmo Eric Erlandson, guitarrista, compositor e co-fundador da banda nos anos 1990. Os colaboradores, no entanto, são os mesmos: o produtor Michael Beinhorn dirigiu o terceiro trabalho do grupo, Celebrity Skin, disco que, como agora, Billy Corgan (Smashing Pumpkins) foi co-autor de diversas canções. Também compositora de algumas das músicas principais, a produtora Linda Perry (4 Non Blondes, Pink, Alicia Keys) foi uma das envolvidas em America’s Sweetheart, desastrosa tentativa solo de Courtney Love em 2004. Não há engano: Nobody’s Daughter, concebido desde 2006, é na verdade um álbum solo de Love, em que a estrela é amparada pelas idéias de profissionais tarimbados e músicos assépticos de estúdio.

 

No entanto, o tempo foi implacável com a voz da cantora. Onde antes haviam gritos potentes mesclados a vocais suaves, agora há um timbre permanentemente rouco e rasgado, como o de Marianne Faithfull. Se isso seria um ponto a favor nas nuances emocionais do disco, os timbres escolhidos nos arranjos fazem questão de tornar tudo anacrônico e artificial. O que há de naftalina, também há de plástico. Beinhorn e Larkin processam excessivamente os sons dos instrumentos, reduzindo viradas potentes de Fisher a rudimentares ruídos de baterias eletrônicas. A predominância de violões e baladas pop em relação a canções rock’n’roll também ajudam a tornar a sonoridade do disco pálida, sem a expressividade que já marcou clássicos da banda, como Live Through This, de 1994.

 

Love tentou utilizar o timing a seu favor: assim como o título do segundo disco de sua banda (“sobreviva a isso”) soava profético na ocasião da morte do marido Kurt Cobain, ocorrida dias antes do lançamento, a vocalista perdeu recentemente a guarda de sua filha, Frances Bean Cobain, de 17 anos. Somado às relações de abandono entre Love e seus pais, o título do novo disco já estaria justificado (“filha de ninguém”). Entretanto, as 11 faixas e a arte do álbum só provam que a cantora, agora sem as drogas, exercita a autodestruição de outra forma: ceifando seu próprio mito.

 

A capa e o encarte mostram rainhas históricas sem as cabeças ou caminhando rumo a decapitação (Maria Antonieta, Ana Bolena, Joana Grey). Numa comparação pretensiosa, Love desconstroi sua imagem de bad girl nas letras do disco, optando por posar de sobrevivente e/ou Madalena arrependida. Os casos mais constrangedores são os de “Honey”, balada em que chora a morte de Cobain sem metáforas, e de “Letter to God”, canção na qual a cantora, curiosamente convertida ao budismo, suplica a clemência divina sobre suas fraquezas. A faceta sobrevivente se mostra na autoafirmativa “Never Go Hungry”, em que evoca Scarlett O’Hara em meio a acordes folk “dylanescos”. A maior parte das canções é impossível de ser ouvida sem pensar nos ícones do nefasto rock-balada noventista, outrora tão desprezados pelos adeptos do grunge. “For Once in Your Life”, em cadência de valsa, atualiza “Crash Into Me”, da Dave Matthews Band. “Someone Else’s Bed” chega a lembrar Hootie and the Blowfish.

 

Se Courtney Love havia se mostrado uma letrista inventiva nos dois primeiros discos da banda, subvertendo clichês e realizando autoparódias crueis e sagazes, agora não faz além de sublinhar lugares-comuns nos versos. “Sou uma alma perdida”, geme a cantora em “How Dirty Girls Get Clean”. “Você é linda, você é gloriosa, você está coberta pelo pó dos perdedores”, canta sobre cocaína em “Loser Dust”, faixa que lembra o pior de America’s Sweetheart. Se em Live Through This os temas recorrentes eram leite materno e desmembramento, agindo como metáforas feministas, em Nobody’s Daughter, a desilusão aparece em forma de água. É possível vê-la nos afogamentos da faixa-título e de “Pacific Coast Highway”, que emula o sucesso “Malibu”, além do orvalho da desencantada “Someone Else’s Bed” – entretanto, nenhuma delas chega a recriar a riqueza imagética dos três primeiros discos do Hole.

 

O novo disco é um trabalho decepcionante para uma obra da banda, considerando o seu legado. Mas, se considerarmos Nobody’s Daughter uma obra solo de Courtney, trata-se de um bom disco, superando de longe o precedente America’s Sweetheart. Se cabe uma lição a Love, é a de que não se pode viver o agora com os olhos do passado, correndo o risco de terminar na guilhotina das obsolescências.


Ouça a crítica em podcast:

 

 

 

Curiosidades:

- Escrito no decorrer de quatro anos, Nobody's Daughter foi originalmente produzido por Linda Perry. Algum tempo depois, o disco foi totalmente regravado pela nova banda. Apenas duas músicas do período anterior entraram no trabalho final ("Letter to God" e "Never Go Hungry").

- Em 2007, o canal BBC realizou um documentário sobre a cantora, "The Return of Courtney Love", mostrando suas dificuldades após a reabilitação e os trabalhos iniciais no álbum.

- Em 2009, Courtney entrou em uma disputa legal com o ex-guitarrista Eric Erlandson sobre o uso do nome Hole, uma vez que o co-fundador não está presente na nova formação da banda.

- Ao contrário de artistas de grandes gravadoras, que recebem para entrar em estúdio, o disco foi inteiramente financiado por Love. "Nobody's Daughter" foi lançado em uma parceria do selo da cantora, Cherry Forever, com a gravadora Island/Def Jam.

 

Ficha técnica

Título do álbum: Nobody's Daughter

Artista: Hole

Gravadora: Cherry Forever, Island/Def Jam, Universal

Lançamento: 23 de abril de 2010

Estilo: Rock alternativo, grunge, pop rock

Produtores: Michael Beinhorn, Micko Larkin, Linda Perry

 

Saiba mais:

- Site oficial do Hole

- Site da vocalista Courtney Love

- Veja: Courtney Love se apresenta com o Hole após hiato de 11 anos

- Rolling Stone: Courtney Love faz retorno triunfal a Seattle

 

 Leia também:

- Crítica do CD no site da revista Rolling Stone

- Crítica do CD no site Rock Online

- Crítica do CD no blog do jornalista Mauro Ferreira

Tópico: Hole, "Nobody's Daughter"

Data: 08-11-2010

De: Lorena

Assunto: Correção

Muito bom, David. Vamos publicar no Impressão Online.

Lorena

Procurar no site

Tags

Questionário

Você acredita que Courtney Love ainda é influente no cenário mundial do rock?

Sim (5)
28%

Não mais (5)
28%

Nunca foi (8)
44%

Total de votos: 18