Em cima do muro

12-05-2011 01:39

 Crônica baseada em notícia publicada na Folha de S. Paulo no dia quatro de abril

 

Kátia Brito

 

Eu ainda consigo ver, mesmo com os olhos marejados de lágrimas, pessoas correndo. Outras olhando assustadas em minha direção como se eu já estivesse condenado. Não dá para fazer muitos movimentos, retirar o cinto, abrir a porta do carro e pedir socorro. Não dá. Olho para a esquerda e me deparo com o teatro, minha casa, minha vida. Ele está ali, majestoso como sempre, desde que minha querida mãe o fundou.

 

Como eu gostaria de ver novamente o palco que desde criança era meu chão, meu lugar. É impressionante como, em poucos segundos, tantas histórias, alegrias, lutas, lágrimas e pessoas passam pela minha cabeça. São 53 anos vividos pela arte. Uma arte que promovesse a libertação, a igualdade e a paz. Hoje percebo que o teatro conseguiu cumprir o papel de levar a união entre palestinos e israelenses... Olho rapidamente no retrovisor. Mal consigo ver minha face. A cor púrpura é facilmente visível... é... É, eu sou a personificação do ideal da minha mãe que se transformou no meu: Palestina e Israel vivendo em paz dentro do mesmo território.

 

Nunca imaginei que meu povo fosse realmente cumprir uma promessa inflamada, guiada por mentes cauterizadas e más... nunca pensei... Nunca pensei, afinal, alcançar a paz neste mundo parece ser uma novela com um final sempre igual: alguém tem que morrer. Na verdade muitos têm que morrer. Sentir o gosto amargo do sangue na boca e ver pela última vez, não o sinal da paz, mas a insígnia da revolta e do total desamor: armas em punhos de olhos desesperados e indignados.

 

Vem-me a mente um homem que passou por aqui. Um homem que também tentou trazer a paz, mas foi morto. A morte dele, porém, foi pior do que está sendo a minha. Dependurado em uma cruz, antes torturado, morreu num madeiro com o título de “Rei dos judeus”. Eu que não sou rei e nunca quis receber tal título, penso que alguns tiros - não dá para saber quantos - não são mais doloridos do que sentir a morte lentamente... ai... ai... A morte. Eu a sinto cada vez mais perto. Falta-me o ar...

 

Jerusalém é logo aqui perto... De quem ela é afinal? Minha? Dos palestinos? Dos judeus? Do mundo? Ela é de Deus. Isso eu tenho certeza. Mas que Deus? Não se sabe se é a política ou a religião que tem destruído famílias e cidadãos. Entretanto, de que adiantou tanta luta? Até hoje ninguém sabe ao certo de quem é Jerusalém... de quem...

 

Olho para a direita e vejo ali ao longe um muro. Um muro erguido por mãos humanas. Muro que distancia e diz entre seus tijolos: “Você não é bem vindo aqui, volte para trás”. Hoje eu sei que esse muro nada mais é que a materialização de outro muro erguido no coração de israelenses e palestinos. Um muro que passa de geração em geração e que a cada ano é acrescentado mais tijolos... ai... Sinto o ar tão distante... Meus olhos vão fechando... e eu ainda vejo o muro... ainda... vejo... Ouço a voz da minha mãe a dizer, como se fosse hoje: “Nós somos os que ficam em cima do muro, porque sabemos que isso não significa sermos indecisos, mas que desejamos a paz”... a paz.. a pa...

 

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