Com uma câmera na mão

23-03-2011 10:29

 

Por Kézia Esteves

 

Conflito político em um país distante anos atrás: as imagens eram divulgadas ao mundo por agências de notícias, principalmente as européias e norte-americanas, que têm repórteres espalhados ao redor do planeta. As cenas só seriam vistas nos cinco continentes horas mais tarde. Manifestações populares em outras terras nos dias atuais: imediatamente após cada movimento ou ato de repercussão, um turbilhão de conteúdo começa a ser publicado na internet e, em questão de instantes, vai tornar mundialmente conhecido.

Os dois quadros acima, tão diferentes, são consequência do que a popularização da tecnologia trouxe em termos de benefícios aos usuários. Hoje, qualquer cidadão que tenha um pequeno celular com câmera ou mesmo uma minúscula câmera digital pode sair por aí captando imagens do mundo inteiro. Anos atrás o equipamento não era assim tão pequeno, não tinha praticidade e não podia ser carregado tão facilmente. Os dispositivos de agora vão dentro do bolso. Soma-se a esse benefício o surgimento das redes sociais e dos sites nos quais a produção de conteúdo é feita pelos surfistas da rede.

Imaginemos um pequeno empreendedor, um artesão, por exemplo, com um equipamento básico e algum conhecimento de informática. Seus trabalhos poderão ser exibidos para todo o mundo, inteiramente grátis. Popularizou-se até a propaganda. Ele pode receber opiniões de visitantes e compradores online. Popularizou-se o marketing. Suas vendas poderão ser em escala global. Popularizou-se a exportação.

Em tempos de conflitos é comum certo cerceamento ao trabalho de jornalistas. Nenhum líder político deseja que o mundo inteiro veja o caos instalado em seu país. Ocasiões como essas são propícias a acontecimentos infelizes: morte de inocentes, privação de direitos básicos à população, imposição de ordens na contramão da liberdade. Hoje, em meio a uma tormenta, qualquer manifestante com uma câmera que cabe na palma da mão pode produzir um pequeno vídeo, publicar na rede e denunciar assassinatos, violência física, mental etc. Um grito de liberdade, antes restrito a um povo, transmitido por agências noticiosas, agora ecoa muito mais alto, divulgado por quem mais precisa que ele seja ouvido.

A qualidade da produção, é claro, não pode nem ser comparada com um material produzido por uma equipe de profissionais com equipamento de avançada tecnologia nos braços. Entretanto, algo fica evidente quando o mundo toma conhecimento de cenas de guerra urbana no estrangeiro ou aqui mesmo: interessa comunicar, mostrar o que acontece, pedir apoio, vozes e gestos de solidariedade. Nada disso demanda parafernália high tech nem um profissional com “anos de estrada”, noção de ângulo, iluminação, posicionamento, técnicas de narração ou mesmo voz de locutor.

Esta realidade sem volta vai, sem dúvida alguma, impactar no trabalho dos jornalistas e no dia-a-dia das redações. A estrutura profissional vai acabar? Tudo o que está aí vai dar lugar a milhões de pessoas mundo afora com câmeras digitais ou celulares, notebooks, netbooks, entre outros mais? A resposta é não, se tudo isso estiver aberto ao novo. É como aquele ditado: se não pode contra o seu adversário, junte-se a ele. Alguns veículos já se renderam ao novo modo de produção de conteúdo noticioso. Programas jornalísticos, telejornais, veículos impressos e portais abriram espaço exclusivo para receber material vindo da audiência. O trabalho dos profissionais ficou prejudicado? Não. Pelo contrário, ganhou uma função a mais: filtrar esse conteúdo e trabalhar paralelo a ele.

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